A indústria que move milhões – artigo de reflexão

Sabe-se que socialmente os padrões de beleza têm vindo a sofrer alterações ao logo da história. Atualmente vivemos numa sociedade do “quanto mais magro melhor”, independentemente dos prejuízos que possam acarretar à saúde física e mental. Existem interesses políticos, e por isso económicos, por detrás desta tirania da beleza ´espelho mágico espelho meu há alguém mais belo do que eu?’ E lá tem a indústria de arquitetar uma ‘maçã’ .

Uma beleza inalcançável – Porquê?

 

É incutido um modelo de perfeição que é simplesmente inalcançável e que faz com que o tal corpo desejado esteja cada vez mais longínquo. Esta beleza que virou obsessão alimenta a indústria ‘do designer corporal’ (dietas, remédios para emagrecer, suplementos, tratamentos estéticos, moda) que ano após ano tem enriquecido pela insatisfação permanente das pessoas com a sua imagem corporal.

Os veículos invisíveis

Tal como os padrões de beleza sofreram alterações, também nos seus veículos houve mudanças. Antigamente tinha-se acesso às “musas inspiradoras” por meio de revistas, que eram mais esporádicas e não tão expostas, atualmente basta um clique. Os média, com destaque para as redes sociais, transmitem este padrão cultural diariamente, num acesso ilimitado. Existe manipulação (edição de imagens, bastidores escondidos, doenças mascaradas de “fit”) que apenas alimentam a ilusão de vidas/corpos perfeitos e que mais não fazem que fomentar a depreciação e perpetuam o ciclo de insatisfação e busca de tudo o que for necessário para a aproximação do tão desejado corpo.

O uso das Redes Sociais

 
O que se vive atualmente com a presença diária das redes sociais para quem sofre da distorção da imagem corporal (e não só!) não é mais que uma comparação injusta e desleal. Ninguém é 100% verdadeiro na medida em que há seleção de conteúdo. Há ganhos pessoais/financeiros por detrás de muitos perfis que vendem “saúde”. 
 
Há efetivamente a projeção relacionada à magreza como uma imagem de sucesso. É precisamente isso que tem vindo a ser promovido culturalmente que precisa de ser desmistificado. Paralelamente à distorção da sua imagem já por si fragilizada há a percepção de perda estimulada pela sociedade. Esta perceção de perda é terreno fértil para as tão iluminadas soluções mágicas existentes no mercado que alimentam a crença de que “quando tiver o corpo igual a x vou ser feliz, vou ter auto-estima, vou ser mais produtiva, vou ter melhores relacionamentos…A sensação de vazio permanecer-se-á porque essa busca é apenas externa e incessante. 
 
Tem vindo a ser cada vez mais alvo de estudo e corroborado o impacto do uso de redes sociais na baixa auto-estima, insatisfação corporal, desenvolvimento de perturbações alimentares e quadros de ansiedade.  
 
Os influencers têm de facto muito poder, muito mais que a comunidade científica e profissionais certificados. Escrevo isto com um sorriso no rosto, apesar de ser bastante sério. Há cerca de 3 três anos recebi o contacto de uma jovem residente no Luxemburgo que sofria de Bulímia Nervosa. Queria ser acompanhada e iríamos prosseguir com acompanhamento psicológico. Passados dois dias do nosso primeiro contacto onde recolhi informação e lhe expliquei como decorreriam as consultas ligou-me a justificar que já não queria ser acompanhada “Dra. estive no Instagram e vou participar no grupo da x conhece? Ela esteve no Big Brother e faz grupos para emagrecer”. É verdade isto aconteceu-me! É verdade também que ainda alertei para a seriedade da perturbação e do tratamento, mas sem efeito. Brevemente falei dos benefícios da terapia em grupo quando se tratava de um grupo homogéneo (bulimia nervosa diferente de grupo de emagrecimento) e ao cuidado de um profissional habilitado. Sensibilizei para o perigo das dietas, enfim fiz o meu papel, mas em vão. Quem era eu ao pé da fulana x que esteve na final do Big Brother? Isto é extremamente grave, falamos de saúde pública!
 
Parece que vivemos numa sociedade do ‘copy past corporal’ onde os corpos são tendencialmente réplicas uns dos outros. A beleza é um conceito relativo e mutável que deve encontrar nas estratégias de coping baseadas na aceitação, diferente de resignação, um caminho para uma redução significativa da tendência para o perfecionismo que só alimenta uma maior insatisfação corporal. Uma imagem corporal positiva e baseada na aceitação e auto-cuidado (executado pelos motivos certos) reforçam uma maior auto-estima e satisfação com a vida. 
 

Medidas a tomar

 
Socialmente já se tem assistido a algumas medidas, mas ainda escassas perante os efeitos nefastos que têm provocado:
  • Sensibilizar pais, educadores, e os próprios utilizadores para os perigos por detrás de certos perfis (que vendem o “estilo de vida saudável”);
  • Incentivar perfis mais educativos e reduzir tempo de utilização, por trocas de atividades com mais presença e menos virtualidade.
 
É importante enquanto sociedade estarmos mais despertos e sensíveis para aquilo que não se vê. Sensibilidade que passa por mudança de paradigmas e comportamentos. Focar noutros aspetos que não só o corpo (tanto para o positivo como para o depreciativo, até porque a interpretação é muito individual) prevenindo reforçar a crença desproporcional dada à aparência.

Conclusão

O problema não é por si só querer emagrecer e melhorar questões de saúde, mas sim o que motiva a querer essa mudança e a forma como essa mudança se obtém. Que seja pela valorização e respeito pelo corpo e não porque não se gosta dele, porque não se consegue conviver com ele. Uma valorização que vai muito além da estética, uma valorização como um instrumento necessário para a vida, como sendo a nossa casa. Atitudes aprendidas de honrar o corpo por tudo aquilo que ele nos proporciona “somos mais que um amontoado de pele e osso”.

Olá, sou a Maria Duarte

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