‘Leonor’Uma história que poderiaser a tua!

Compulsão AlimentarPsicologiaTratamento

Leonor Moreira, 36 anos, reside na Maia com o marido e o filho de dois anos, é economista. Desde os 20 anos sofre de transtorno de ingestão alimentar compulsiva – Compulsão Alimentar – mas desde que tem memória que desenvolve uma relação hostil com a alimentação. Filha de uma mãe muito rígida e exigente no que toca à alimentação (consigo e com a filha) e de um pai que não apresenta quaisquer preocupações com a alimentação e saúde. 

Procura ajuda não tanto por ela, “já me habituei a viver com isto”, mas por receio de não saber lidar com a alimentação do seu filho da forma mais salutar.

 

– Boa tarde Leonor, como se sente?
– Olá! Confesso que até me sinto melhor, mas ainda há muito caminho pela frente.
– Claro que sim, ainda agora está a começar. E por falar em começar, se estiver de acordo, reservaremos a consulta de hoje para dar continuidade ao que abordámos a semana passada (família, infância, comportamentos alimentares) e tocaremos em mais dois temas que acredito que a possam ajudar durante o tempo das nossas consultas, e não só!
– Isso seria ótimo, porque apesar de estar melhor, ainda me sinto sem controle no que como, principalmente quando tenho mais trabalho ou ao final do dia antes de dormir, fazendo com que durma muito mal. É verdade Maria depois da consulta da semana passada quando falamos dos meus pais lembrei-me de uma coisa que talvez possa ser importante para ajudar a perceber o que se passa comigo.
– Claro, diga.
– Quando lhe disse que a minha mãe sempre fez dieta e o meu pai pelo contrário sempre comeu de tudo e em excesso e até está a acima do peso, esqueci-me de dizer que tenho muitas vezes a memória de quando o meu pai me ia buscar ao ballet de me levar chocolates e bolachas às escondidas porque ele sabia que eu gostava e a minha mãe nunca na vida me daria tais coisas. Ele dava-me no carro e comíamos os dois, agora percebo que às escondidas, e dizia para não dizer à mãe.
– Está a ver que informação tão crucial para a compreensão do seu comportamento alimentar? Aliás se lhe vem tantas vezes à memória é porque foi realmente importante para si mesmo que não percebesse na altura. Que idade tinha nessa altura Leonor?
– Não sei bem, uns 5 anos. Só sei que era das meninas mais gordinhas do ballet e que a minha mãe me costumava dizer isso, ela dizia “és tão bonitinha, se não comeres porcarias também podes ser assim magrinha”.
– Repare Leonor na consulta passada sempre que se referia aos seus alimentos proibidos, os mesmos que são ingeridos nos episódios, utilizou precisamente e sempre a mesma palavra da sua mãe quando era pequena “porcarias”. Parece-me que temos todas as condições reunidas para começarmos pelo primeiro tópico que gostaria de abordar consigo hoje. Mas antes de mais estes três tópicos que falaremos hoje serão apenas introdutórios, porque todos eles dariam pano para mangas e serão mais esmiuçados em consultas posteriores.
– Parece-me bem também. Tudo o que for para me ajudar a sair deste buraco estou receptiva a ouvir e refletir.
– Primeiro não posso deixar de referir que tudo aquilo que os seus pais fizeram, e hoje até nos iremos focar na figura materna, foi sempre com a melhor das intenções, tudo operou ao nível do inconsciente. Repare que a sua mãe, como disse, ainda hoje dá muita importância ao corpo, à aparência, e possivelmente o que aconteceu, inconscientemente, foi protegê-la do que ela passou ou estaria a passar. Se ela tinha uma insatisfação com o corpo dela, isso acabava por passar para as relações. A forma como a sua mãe se cuidava sem querer passou para si, porque a Leonor foi absorvendo tudo isso. Os filhos querem se encaixar para ser amados, ser reconhecidos pelos pais. Para si o que seria corresponder à sua mãe?
– Era ser boa aluna e ser magra, sem dúvida. E para isso não podia comer aquelas coisas.
– A alimentação não é só alimentação nutricional, traz com ela uma grande carga emocional e cultural de cada família. E há outra questão que até se pode levantar aqui, a bagunça em que fica a perceção de fome e saciedade quando essa alimentação é praticamente imposta por alguém acaba por passar para os anos seguintes. E isso é válido também para o preenchimento de alguma falha, percepcionada pela criança, como por exemplo, a falta de atenção dada, através da comida, como referiu na semana passada, que também aí é condicionado para as fases posteriores, ou seja, por exemplo aprender na infância que quando se sente sozinha a comida será uma companhia ou uma forma de lidar com o tédio é a estratégia que irá utilizar em fases posteriores porque, aparentemente, resultou. O facto de saber que havia comida escondida para não ter acesso só fazia com que a busca por ela fosse ainda mais desejada porque era proibida, tal como acontece ainda nos dias de hoje. Percebe?
– Completamente, lembro-me muito bem disso. Eu sabia que havia algumas dessas coisas em casa e até vi algumas vezes a minha mãe a comer às escondidas e quando me sentia mais triste ou me sentia sozinha ia à procura.
– Quem sabe Sara que aquilo por que passou e ainda passa também não será familiar à sua mãe?
– Pois, eu acredito que sim, e até com o meu pai.
– A Sara tem um filho de 2 anos, estará ou não na hora de quebrar esse ciclo?
– Claro. É algo que me preocupa, porque sei que agora ainda não se lembra mas a partir de uma certa idade já não é bem assim.
– E será que já não estará nessa idade?
– Será?
– Porque não começar as alterações comportamentais partindo do princípio que sim?
– Não sei como fazê-lo.
– Então se me permitir vamos nos desviar um bocadinho e retomaremos a partir daqui. O que lhe parece?
– Ótimo.
– E volto a referir que a Sara tal como todas as mães fazem o melhor que sabem com as ferramentas que têm, mas quando tomamos consciência de como o ser humano funciona pode ajudar a tomarmos as melhores decisões, pelo menos naquele momento. Estamos sempre a comunicar, mesmo que não nos apercebamos disso e ter esta consciência é o primeiro passo para “policiarmos” mais os nossos comportamentos, mas sempre sem culpa, de forma compassiva.
– Quero mesmo fazer diferente com o Dinis para que não passe pelo que passei e passo.
– Comer à mesa convosco, parece-lhe um bom ponto de partida?
– Parece-me um grande desafio isso sim! Tenho sempre receio e até culpa porque às vezes como coisas que não são boas e depois ele vai ver.
– De alguma forma poderia tirar melhor partido desse desafio?
– Sim, tendo mais atenção no que coloco na mesa, não comendo porcarias para ele não ver.
– Não sente que se cobra demais e que exige demais de si?
– Começo a aperceber-me que sim. Tenho me lembrado daquela situação do chocolate dividido com a minha colega que lhe contei.
– Foi uma boa lição, não foi?! Voltando ao Dinis, na verdade não há regras mágicas, mas há alguns comportamentos que podem ser favoráveis.
– Vamos a isso, farei por estar mais consciente deles.
– Então, primeiro de tudo, que as refeições da noite e dos fins de semana sejam feitas à mesa, em família num ambiente harmônico e de curiosidade. Um ambiente que envolve experimentar diferentes alimentos, sem os catalogar, e sempre ao ritmo da criança e sem julgamento. Os bebés nascem com a capacidade programada do sistema fome/saciedade e é extremamente importante respeitar isso, porque já basta ao longo da vida se ir desprogramando. É importante que o que lhe dê seja igual à vossa comida, educamos os filhos não pelo que falamos, mas pelo que não falamos. Ter uma postura mais flexível no que toca por exemplo à ordem do que comem, dar-lhe esse papel de gestão ativo. Outra coisa que acaba por ser comum é não utilizar a comida como punição ou recompensa, eu sei que é fácil cair nesta, mas o problema é que começam a internalizar a comida com determinado simbolismo acabando por fazer associações. Ser criativa na hora da refeição, quer em conversas que tenham, no empratamento e até histórias.
– Ai ai vai-me dar muito trabalho esta mudança.
– Encare como um desafio, envolvam-se enquanto pais e divirtam-se e passem essa mensagem para que não seja um momento hostilizado para o vosso filho.
– Vou dar o meu melhor!
– Leonor a consulta está a terminar e ainda gostaria de abordar mais dois assuntos. Ficará para o nosso próximo encontro.
– Claro!

 

Olá, sou a Maria Duarte

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